Como humanos falam?

Dez Centavos
2 min readJun 17, 2024

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Um dos meus pontos técnicos preferidos de Succession (2018) era a escrita, não só a escrita de personagens, mas suas falas, a roteirização do fluxo de palavras, o modo desajustado e sem ritmo das conversas.

Dificilmente vemos personagens gaguejando, em séries e filmes as pessoas possuem dicções perfeitas, pensamentos ágeis e respostas para tudo.

Não existe pausas. Um fala. Outro espera, ninguém se interrompe, existem hierarquias nas falas e dificilmente vemos personagens com dificuldade de inserção nas rodas de conversa, afinal todos em cena precisam participar.

Em Carol e o Fim do Mundo (2023), animação adulta da Netflix, a protagonista é desajustada, interage com pessoas completamente diferentes dela, e isso é representado na fala. Ela leva tempo para construir pensamentos, gagueja, fala pra dentro e sempre olha para baixo. Carol é humana.

Duna parte 2 (2024) apresenta uma solução para isso: Denis Villeneuve, o diretor, odeia diálogos, então os personagens só conversam sobre aquilo que não pode ser exposto visualmente, as palavras servem como veículos para a próxima cena.

Tenho pensado nisso desde um vídeo que surgiu na minha timeline, dizendo “Brasileiros têm o dom da palavra, todos vocês falam muito bem sobre coisas que conheceram há pouco”. Isso me fez questionar diversas produções que já assisti, as quais já julguei “não é assim que pessoas conversam”, “ninguém responderia isso”, “era só terem conversado que essa situação não se daria assim”.

The Wire (2002) é ótima na arte do diálogo verossímil, existem diversos núcleos e eles precisam não só se entender entre si, como também fazer sentido para quem assiste e para outros núcleos. Existem personagens que falam o suficiente, existem personagens que as palavras não alcançam as expectativas e existe a cidade, que não fala, mas comunica.

Então, tem sido muito difícil pensar em apontar falas humanas ou não, em How I Met Your Mother. (2005) a série só existe porque o protagonista fala de forma diferente, não só dos outros homens, mas de todas as pessoas do seu convívio. Uma amiga que foi estudar nos EUA me contou que eles odeiam “só” sentar e beber, precisa existir algo depois, se não as coisas não se sustentam. Por isso todos os episódios tinham uma história, uma aventura.

A única que realmente precisa repensar suas escritas é a Netflix

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